alagados, salvador, 2010
“Eu
assisti cinema pela primeira vez no Cine Teatro Alagados. Quando Alagados foi
aterrado se fez um elefante branco, a Igreja Nossa Senhora dos Alagados, uma
santa com um pé na lama, um pé no chão e uma lata d´agua na cabeça; o papa veio
inaugurar. Na época me chamou mais atenção o helicóptero do que o papa, aquele
negócio voando e eu tava lá da ponte dos Alagados na minha casa onde eu nasci e
me criei . Além da igreja se criou o cinema, só que o cinema tinha o tal do ar
condicionado central que parece uma coisa boba, mas nos anos 80 era muito. Fazia
fila, no sol de novembro, um calor, e as pessoas com roupas glaciais, porque
elas iam ao ar condicionado central, entravam e descobriam o cinema. Eu mesmo
ia com uma bota gaúcha que meu tio tinha trazido. Fazia parte. Incrivelmente, Ilha do rato foi lançado, assistido pela
primeira vez em público dentro desse cinema, nas ruínas dele, sem telhado e
completamente destruído. Eu fiz questão porque toda comunidade que fez o
filme morava ali. Engraçado é que a
gente vai assistir a um filme americano e tem aquelas piadas, o americano dá
uma tortada na cara é uma coisa maravilhosa, uma mulher peituda é uma coisa
maravilhosa e a gente não quer peito, a
gente não quer torta, a gente quer cosias mais engraçadas, mas a gente
aprendeu a rir porque os outros estão rindo. E no filme eu falo uma coisa
engraçada: o menino diz pro outro – ‘ah!
o pai dele é um bebum, fica lá no bar do Zezinho’... (que fica ao lado do Cine
Teatro Alagados) e a comunidade inteira, mais de 200 pessoas no cinema, morrem
de rir porque aquele filme universal, que foi lançado em Nova York, tem a
referência só pra eles, eu embuti aquilo ali porque eu queria esse efeito.
Aquela piada do bar do Zezinho só funciona nos Alagados. Está ali, ao lado do
Cine Teatro onde eu assisti cinema pela primeira vez. Essa foi minha homenagem
à comunidade, Bernard (Attal) nem sabia, mas tava lá”[Joselito Crispim].
Joselito Crispim. “Eu tive
essa sorte de ter nascido nos Alagados; não ter ido à faculdade bem jovem,
porque eu teria mesclado todo meu conhecimento ancestral. Eu nasci num terreiro
de candomblé, aprendi na cultura oral, aprendi das formas de sambar, de falar,
e agora que vou fazer quarenta anos comecei a faculdade de direito. Então esse
conhecimento exacerbado da cultura ocidental me chega agora que eu tô bem
crescidinho, pra não ler não sei quem e deixar de entender meus sábios
africanos. Então dentro do que eu tento produzir como educador, como pessoa, está
essa coisa de trazer o conhecimento da periferia, esse saber tão diverso, tão
rico como qualquer outro, mas que durante muito tempo foi colocado à parte” [Joselito
Crispim].
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